sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Ética em Immanuel Kant, por Ozanan Carrara (Parte I)



1. Contexto Histórico


          O contexto em que o filósofo alemão, Immanuel Kant, formula sua ética é o século XVIII, conhecido como o século das luzes ou como Esclarecimento, quando o pensamento europeu procurou superar a visão teocêntrica que perdurou por toda a Idade Média uma vez que os valores religiosos impregnavam todas as concepções éticas e a fé fornecia os critérios do bem e do mal. No contexto cristão medieval, homem moral era sinônimo de homem temente a Deus. O século XVIII, com sua inabalável confiança nos poderes da razão humana e na autonomia do homem racional, aposta todas as suas fichas na “luz natural da razão” como a única arma capaz de libertar o homem do domínio da ignorância e da superstição. As armas do homem iluminista são o conhecimento, a ciência e a educação que são capazes de libertá-lo das trevas e do obscurantismo que tornaram o homem impotente diante de determinados modelos religiosos, sociais e políticos que lhe tiravam toda autonomia, submetendo-o aos preconceitos, ao fanatismo, à tutela do Estado e dos poderes políticos e religiosos que decidiam em seu lugar. Trata-se agora de desenvolver a consciência individual, formando o homem autônomo em sua capacidade de conhecer o real já que todos os homens são igualmente dotados da “luz natural da razão”. Podemos ver ainda no Iluminismo a retomada do projeto pedagógico do Renascimento que coloca o homem no centro de todas as preocupações religiosas, políticas e sociais.
          Uma ideia que se tornará o carro-chefe do Iluminismo é a ideia de progresso, uma vez que o homem, dotado dos poderes da razão, poderá alcançar um progresso jamais visto na história da humanidade. Daí o esforço em identificar todos os elementos que retardam ou impedem o progresso como determinadas formas de religião com crenças irracionais e a submissão ingênua aos poderes religiosos e políticos. Neste contexto é que se pode compreender a forte tendência iluminista a construir uma moral laica e secularizada de tal modo que ser moral não é um privilégio exclusivo do homem religioso. Ateísmo e moralidade não são pólos contraditórios já que os fundamentos dos valores não se encontram mais em Deus, mas no próprio homem. Rejeitando toda forma de tutela como a do Estado e toda forma de heteronomia como a da Igreja, o homem se afirma como capaz de conhecer e de agir guiado pela ‘luz natural da razão’. Para o Iluminismo, toda autoridade deve estar submetida à razão e à experiência ao invés de se impor através das armas do medo, da força e da superstição. A razão é que permitirá ao homem sair da menoridade em que ele se manteve por sua própria culpa. Kant o acusa de “incapacidade de fazer uso de seu entendimento sem a direção de um outro indivíduo” e de “falta de decisão e coragem de servir-se de si mesmo sem a direção de outrem”.  Seu  slogan  é "sapere  aude!". Tem coragem de fazer uso de teu próprio entendimento! (Kant. Que é esclarecimento?).

As idéias que dominam a filosofia iluminista que vai surgindo neste período são:
  1. A liberdade que para a burguesia em ascensão significa essencialmente a liberdade de comércio defendida pelo pensamento liberal que se opõe ao absolutismo das monarquias europeias;
  2. O individualismo com a crescente consciência de um indivíduo livre e autônomo, capaz de escolher e determinar seu próprio destino;
  3. A isonomia jurídico-política que ensina que todos os cidadãos são iguais contra as desigualdades que persistiram na sociedade feudal que sustentava privilégios maiores para os nobres.


Immanuel Kant.

          O fato histórico marcante desse período é a Revolução Francesa de 1789 que tenta implantar uma nova sociedade fundada nos princípios da “liberdade, igualdade e fraternidade”, livrando-se de todo resquício de feudalismo ainda persistente no seio da sociedade francesa. É dessa época a Declaração dos Direitos do Homem que se tornará o fundamento de todas as constituições políticas posteriores à Revolução, influindo também na independência dos Estados Unidos da América (1776). Tal declaração reconhece que liberdade e igualdade são direitos naturais inerentes ao homem. Os governos, por sua vez, devem garantir estes direitos e protegê-los.
          Amparado nas idéias da  filosofia política de John Locke, o Iluminismo, além de acreditar num homem autônomo e livre em relação a toda forma de autoridade externa que o subjuga, crê também no poder de se libertar das próprias paixões, emoções e desejos que impedem o exercício da razão. O homem livre é aquele que age de acordo com sua própria vontade e decisão racional. A filosofia deve então incumbir-se de preparar este homem livre, autônomo e senhor de si.


Sobre o autor:
Prof. Dr. Ozanan Carrara,
Professor Adjunto do Departamento Interdisciplinar da
Universidade Federal Fluminense, Polo Universitário de Volta Redonda-RJ.

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Acesse: Parte II - Parte III
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Bibliografia
  • BORGES, Maria de Lourdes e outros. O que você precisa saber sobre ética. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2002.
  • KANT, Immanuel.  Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Lisboa: Edições 70, sdp.
  • OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Ética e Sociabilidade. São Paulo: Ed. Loyola, 1993.
  • PEGORARO, Olinto. Ética é Justiça. Petrópolis: Vozes, 2001.
  • WALKER, Ralph. Kant. (Tradução de Oswaldo Giacóia Junior). São Paulo: Ed. Unesp, 1999.