quarta-feira, 6 de junho de 2012

Sófocles: o mito "Antígona"

          O significado de Antígona para o estudante de direito e das ciências sociais, mas também para o cidadão em geral, se revela na tensão política entre poder constituído e o ideal ético. Antígona, filha de Édipo - homem condenado por si próprio a uma maldição de miséria em vida - é de certo modo herdeira e subjugada ao infortúnio do pai, antigo governante de Tebas. Sua história centrada na tragédia grega de Sófocles é explicitada após o fato de perder ambos os irmãos em uma guerra na qual eram inimigos e ver-se impedida de sepultar o perdedor. Creonte, irmão de Jocasta - mãe e avó de Antígona, Ismênia, Eteócles e Policine - assume o poder de Tebas após o exílio de Édipo, a morte de sua irmã e de seus sobrinhos homens em uma guerra civil onde disputavam o poder herdado do pai. Como Creonte demonstrava simpatia por Eteócles, impediu através de um decreto o funeral de Policine. Antígona, contrariada sepulta o irmão.
          Entra neste momento o dilema do poder e da lei versus o ideal de justiça. A tragédia grega com sua função educacional chamava a atenção do cidadão grego (o  indivíduo do sexo masculino nascido na Pólis) e do restante dos habitantes (ressalta-se, a maioria) para situá-lo em relação ao seu mundo, a Pólis, de acordo com valores cívicos e éticos. Aquilo que fosse de caráter público deveria ser pensado, e colocado em consonância com os ditames do justo e cívico, ideais que conviviam estritamente juntos no ideal grego. A sociedade grega, com sua postura democrática necessitava incutir no habitante da cidade a sua função como ser que ali vive e que participa do organismo social. Antígona, ao desobedecer o decreto parcial de Creonte, assume este estigma do indivíduo que usa do ideal ético-cívico grego; age de acordo com o amplamente aceito, o cultural que forma essencialmente sua sociedade - a justiça que sobrepaira qualquer parcialidade humana, que é ditada pelos deuses, seres superiores; justiça esta que civicamente deve ser defendida, explicitada.
          A representação do decreto e da parcialidade de Creonte pelo Direito Positivo e o ato de Antígona como digno de representação do Direito Natural encaixam-se perfeitamente como caso concreto na frase de Caio Mário da S. Pereira que sintetiza a questão da tensão entre estas duas faces do Direito. Citando-a novamente: "se alguma vez, sob o império de forças antijurídicas, declina o sentimento do justo, a humanidade supera a crise e retoma o seu caminho, procurando sempre o ideal de justiça, que se radica indefectivelmente na consciência humana". Pena seja que mesmo depois do reconhecimento por Creonte de seu erro frente a opinião geral, a protagonista já havia matado a si própria levando a desgraça também à família do governante.


Teatro de Dionísio
"Para os gregos, o homem é um ser feito para a vida política, para a Pólis e o papel da ética e da política era regular os excessos para possibilitar a convivência e o homem poder ascender à condição de homem virtuoso.
O teatro, especialmente a tragédia, teve um papel fundamental na construção de uma ética dos cidadãos gregos à medida que propiciava, pela via da retórica, a revelação e a perlaboração das paixões.
Era esse lugar para ver, para mostrar essa condição de pathos no humano. Todos assistiam ao teatro - homens, mulheres, crianças e escravos. O valor ético da tragédia aparecia com tal vigor que ela era, acima de tudo, instrumento de conduta moral independentemente do lugar que cada um ocupava na organização social da cidade.
É importante lembrar que o gênero trágico surgiu no fim do Século VI, quando a linguagem do mito deixava de apreender a realidade política da cidade e marchava para a formação do cidadão grego, para a formação do pensamento social, para o advento do direito. Assim, a encenação das tragédias contribuía para uma educação permanente do cidadão grego, reforçando e revigorando o civismo."
Edilene Freire Queiroz
Do pathos do teatro grego à paixão da contemporaneidade,
Revista SymposiuM - Unicap.



  • Direito Positivo
"Conjunto de princípios que pautam a vida social de determinado povo em determinada época. [...] Não importa seja escrito ou não escrito, de elaboração sistemática ou de formação jurisprudencial. O direito positivo, segundo a tese de Capitant, é o que está em vigor num povo determinado, e compreende toda a disciplina da conduta, abrangendo as leis votadas pelo poder competente, os regulamentos, as disposições normativas de qualquer espécie. Ligado ao conceito de vigência, o direito positivo fixa nessa o fundamento de sua existência. Por isso é contingente e variável."
Caio Mário da Silva Pereira,
Instituições de Direito Civil - Vol. I, 24ª Edição.



  • Direito Natural
"Ulpiano define-o: 'ius naturale, est quod natura omnia animalia docuit' (direito natural é o que a própria natureza ensina a todos os homens), projetando desta forma a noção, de ius, que é a própria sociedade humana, às relações instintivas dos irracionais.
Fixando-se, porém, o jurista na órbita do direito em si, é forçado a reconhecer que acima do direito positivo, e sobre este influindo no propósito de realizar o ideal de justiça, ditado por uma concepção de superlegalidade, o direito natural sobrepaira à norma legislativa, e, com este sentido, é universal e eterno, integrando a normação ética da vida humana, em todos os tempos e em todos os lugares. Se alguma vez, sob o império de forças antijurídicas, declina o sentimento do justo, a humanidade supera a crise e retoma o seu caminho, procurando sempre o ideal de justiça, que se radica indefectivelmente na consciência humana."
Caio Mário da Silva Pereira,
Instituições de Direito Civil - Vol. I, 24ª Edição.



Vídeo: "Antígona" de Sófocles


"Creonte [Príncipe de Tebas]: Fala, agora, por tua vez; mas fala sem demora! Sabias que, por uma proclamação, eu havia proibido o que fizestes?
Antígona: Sim, eu sabia! Por acaso poderia ignorar, se era uma coisa pública?
Creonte: E apesar disso, tiveste a audácia de desobedecer a essa determinação?
Antígona: Sim, porque não foi Júpiter (Zeus) que a promulgou; e a Justiça, a deusa que habita coma as divindades subterrâneas jamais estabeleceu tal decreto entre os humanos; nem eu creio que tenha teu édito força bastante para conferir a um mortal o poder de infringir as leis divinas, que nunca foram escritas, mas são irrevogáveis; não existem a partir de ontem, ou de hoje; são eternas, sim! e ninguém sabe desde quando vigoram! - Tais decretos, eu, que não temo o poder do homem algum, posso violar sem que por isso me venham a punir os deuses!"
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"Creonte: Quem é rigoroso na decisão de seus casos domésticos, será justo também no governo do Estado. Quem, por orgulho e arrogância, queira violar a lei, e sobrepor-se aos que governam, nunca merecerá meus encômios. O homem que a cidade escolheu para chefe deve ser obedecido em tudo, quer seus atos pareçam justos, quer não.
Hémon [Filho de Creonte]: Meu pai, ao dotar os homens da razão, os deuses concederam-lhes a mais preciosa dádiva que se pode imaginar. Será, por acaso, certo tudo que acabas de dizer? Eu não sei... e praza aos deuses que não saiba nunca. No entanto, outros há, que podem ter outras ideias. De qualquer forma, é no teu interesse que me julgo no dever de examinar o que se diz, o que se faz, e as críticas que circulam. Teu semblante inspira temor ao homem do povo, quando este se vê forçado a dizer o que não te é agradável ouvir. Quanto a mim, ao contrário, posso observar, às ocultas, como a cidade inteira deplora o sacrifício dessa jovem; e como, na opinião de todas as mulheres, ela não merece a morte por ter praticado uma ação gloriosa... Seu irmão jazia insepulto; ela não quis que ele fosse espedaçado pelos cães famintos, ou pelas aves carniceiras. [...] Mas não creias que só tuas decisões sejam acertadas e justas... Todos quantos pensam que só eles têm inteligência, e o dom da palavra, e um espírito superior, ah! esses, quando de perto os examinamos, mostrar-se-ão inteiramente vazios! Por muito sábios que nos julguemos, não há desar em aprender ainda mais, e em não persistir em juízos errôneos... [...] Cede, pois, no teu íntimo, e revoga teu édito. Se, apesar de minha idade, me é lícito emitir um parecer, direi que o homem que possuir toda a prudência possível, deve levar vantagem aos outros; mas como tal virtude nunca se encontra, manda o bom senso que aproveitemos os conselhos dos demais.
O Corifeu [Líder do Coro]: Príncipe, visto que ele propõe medidas de moderação e prudência, convém ouvi-lo; de parte que nos falaste muito bem!
Creonte: Terei eu então de honrar a quem se mostrou rebelde?
Hémon: Nunca proporei que se respeite a quem houver praticado o mal.
Creonte: E por acaso não foi um crime o que ela fez?
Hémon: Não é assim que pensa o povo de Tebas. 
Creonte: Com que então cabe à cidade impor-me as leis que devo promulgar? [...] É em nome de outrem que estou governando neste país?
Hémon: Ouve: não há Estado algum que pertença a um único homem!
Creonte: Miserável! Por que te mostras em desacordo com teu pai?
Hémon: Porque te vejo renegar os ditames da Justiça!
Creonte: Por acaso eu a ofendo, sustentando minha autoridade?
Hémon: Mas tu não a sustentas calcando aos pés os preceitos que emanam do deuses!"
Sófocles
Antígona, Tradução: J. B. de Mello e Souza.
Disponível em eBooksBrasil: www.ebooksbrasil.org/adobeebook/antigone.pdf.